Ricardo Campos, do Boas Novas MG
Um exército de 20 mil voluntários vai ocupar uma região entre Minas Gerais e Espírito Santo no Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado em 5 de junho, por uma causa nobre: proteger, num único dia, mil nascentes da Bacia do Rio Doce, uma dos mais importantes, mas também uma das mais castigadas, da região Sudeste. A iniciativa, inédita no país, é do movimento Todos pelo Rio Doce, uma entidade criada no final de 2016 por voluntários amantes do rio e da causa ambiental.
No mesmo dia 5 de junho o movimento vai também fazer uma grande ação educativa, no maior número possível de escolas de todo o país, tanto públicas como privadas, para conscientizar os alunos sobre a importância da preservação dos rios, tanto para o meio ambiente como para a espécie humana.
Como a intenção é atingir um grande número de jovens, o movimento está preparando videoaulas sobre o tema para distribuir a todas as escolas interessadas em abraçar a causa. O governo do Espírito Santo, por meio da secretaria de Educação do Espirito Santo está apoiando a ideia e os organizadores iniciaram negociações com a Secretaria de Educação de Minas Gerais.
“Estamos organizando um grande dia em defesa do rio Doce. Mas precisamos conseguir trazer a sociedade civil para essa causa. Caso contrário, passaremos gerações sem ver o rio plenamente recuperado. Por isso, convido todas as pessoas que sabem da importância da preservação dos nossos rios para participar do movimento Todos pelo Rio Doce”, disse o economista e ativista ambiental Theo Penedo, o idealizador da iniciativa.
Os números da operação são gigantescos. Para atingir a meta de cercar mil nascentes num único dia, os organizadores vão precisar de 170 mil estacas, 29 mil mourões/esticadores, 2 milhões de metros de arame, 676 mil grampos, 4 mil martelos, 2 mil cavadeiras de 2 bocas, 15 mil peneiras, 15 mil pares de luvas, além de kits de primeiro socorro, alimentos (frutas, água, café) e transporte para os voluntários.
O custo da operação estimado pelo movimento Todos Pelo Rio Doce é de R$ 20 milhões. Mas tudo, absolutamente tudo, virá de doações de empresas e de voluntários que querem ajudar a recuperar o rio. Os coordenadores já conseguiram o apoio do Instituto Terra, que desenvolve há anos um trabalho de recuperação de nascentes, da Cruz Vermelha do Espirito Santo, que ficará encarregada da segurança e da saúde dos voluntários no dia 5, e do governo capixaba.
Outro grande esforço dos organizadores é reunir, no dia 5 de junho, as 20 mil pessoas necessárias para realizar o trabalho de cercar as mil nascentes. Por enquanto, aproximadamente mil pessoas já se ofereceram para fazer parte desse exército do bem. Uma operação desse tamanho, 100% realizada por voluntários, e num único dia, nunca foi feita no país.
E o número de 20 mil tem uma explicação. Como a meta é cercar mil nascentes, para cada uma delas é necessária uma equipe de aproximadamente 20 pessoas. A cerca de proteção de cada uma das nascentes tem um raio de 50 metros, o que vai exigir 170 estacas.
Os voluntários, no dia 5, vão colocar e fixar as estacas, colocar e esticar o arame e pregar os grampos. Previamente, o movimento vai realizar, também com o apoio de parceiros, o roçado ao redor das nascentes, bem como as covas para receber as estacas. Das mil previamente selecionadas, 500 estão em território mineiro, na sub-bacia de Manhuaçu, e as outras 500 no Espírito Santo, na sub-bacia do Baixo Guandu.
Voluntários em Linhares (ES), em outubro do ano passado, protegeram, dentro de um projeto piloto para o dia 5 de junho, cinco nascentes. Foto – Divulgação
Por ser uma ação complexa, que vai envolver um grande número de pessoas, ela vem sendo planejada desde meados do ano passado. Em 28 e 29 de outubro do ano passado, foi realizado o primeiro piloto em Linhares, no Espírito Santo, quando foram cercadas cinco nascentes e plantadas 1.500 árvores, com o apoio de 60 voluntários.
No dia 10 de março, o movimento fará o cercamento de mais 23 nascentes do rio Doce, sendo três em território mineiro e 20 no Espírito Santo, como a última etapa preparatória para o grande dia, que será 5 de junho. Este trabalho também será feito por voluntários que o movimento Todos pelo Rio Doce está arregimentando.
A ideia inicial de organizar uma grande ação para ajudar na recuperação do rio Doce foi do economista capixaba Theo Penedo. Ele conta que assistiu a um vídeo de uma ação de voluntários desenvolvida na Estônia em 2008 para recolher, num único dia, dez mil toneladas de lixo em todo o país. A iniciativa recebeu o nome de Let’s Do it (Vamos Fazer).
Ativista ambiental, Theo vinha acompanhando, ao longo dos anos, a degradação do rio Doce. O quadro ficou ainda mais grave com o rompimento, no dia 5 de novembro de 2015, da barragem de Fundação, localizada no distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana, que foi o pior desastre ambiental da história do país.
Rejeitos de mineração da mineradora Samarco se transformaram num tsunami de lama que percorreu 650 km rio abaixo, vilas inteiras ficaram destruídas, 19 pessoas morreram e até hoje os prejuízos ambientais não foram completamente contabilizados. Alguns especialistas, inclusive, chegaram a dizer, na época, que o rio Doce estava morto.
“Quando assisti ao vídeo, fiquei pensando: por que não fazer algo parecido para ajudar o rio Doce? Conversava com muita gente e percebia que havia um grande interesse em ajudar, mas ninguém sabia como. Convidei um grupo de amigos e em dezembro de 2016 nasceu o movimento Todos pelo Rio Doce”, conta Theo.
O economista, que é capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, conta que o rompimento da barragem da Samarco agravou muito a situação do rio Doce. Mas ele lembra que o rio, que percorre cerca de 853 km entre sua nascente, em Minas, até desaguar no oceano Atlântico, no Espirito Santo, já vinha passando por um processo de degradação há anos e exigia cuidados faz tempo.
A opção do movimento por cercar as nascentes do Doce também tem uma explicação. Segundo especialistas, o trabalho de proteção dos rios está assentado em três grandes pilares: recuperação das nascentes, recuperação das matas ciliares e o esgotamento sanitário.
Algumas ações dependem de iniciativas do poder público, especialmente das prefeituras municipais. Recuperar a mata às margens dos rios é tarefa de longo prazo, embora também possa ser feita. O movimento entendeu que proteger as nascentes, o que é fundamental para a sua recuperação ou manutenção, era a contribuição mais efetiva que poderia ser dada agora para ajudar no processo de renascimento do rio Doce.
A bacia hidrográfica do Rio Doce tem uma extensão de 83.400 quilômetros quadrados (o que corresponde ao tamanho de Portugal), dos quais 86% pertencem a Minas Gerais e os outros 14% ao Espírito Santo. Abrange 228 municípios (202 mineiros e 26 capixabas), onde vivem aproximadamente 3,5 milhões de pessoas. A estimativa é que essa bacia tenha cerca de 375 mil nascentes e, dessas, 350 mil precisam de algum tipo de recuperação ou proteção.
Pode parecer, então, que a meta de proteger mil nascentes é modesta. Não é. A Samarco, que provocou o pior acidente ambiental do país, com enormes prejuízos ao rio Doce, já conseguiu cercar, desde o desastre, em novembro de 2015, um total de 511 nascentes, como informa a fundação Renova em seu site. Em dez anos, a meta é recuperar 5 mil nascentes. O movimento Todos pelo Rio Doce quer proteger mil, mas em um único dia.
– Quem quiser ser voluntário no movimento Todos pelo Rio Doce pode se inscrever pelo site: www.todospeloriodoce.com