“Eu só preciso de uma chance!”, disse Abed, olhando para o mar, no primeiro dia em que nos conhecemos. Aquele jovem alto e simpático está na Grécia há seis meses. Ele deixou a Palestina para trás para embarcar em uma longa jornada. Viveu ilegalmente no Egito e na Turquia por dois meses até receber dinheiro para atravessar de barco até a costa da Grécia.
Decidi que minhas próximas férias seriam diferentes. Eu precisava me envolver um pouco mais com a causa dos refugiados. Eu me cansei de ler as notícias de pessoas atravessando fronteiras perigosamente para chegar à Europa numa tentativa de reconstruir suas vidas. Tinha que fazer mais do que apenas sentar atrás do computador em casa e foi assim que tive a ideia de ser voluntária em um campo de refugiados na Grécia.
Esta experiência muito rica me deu a oportunidade de descobrir uma série de realidades e histórias que merecem ser contadas e abordadas jornalisticamente. Como freelancer, e com base no que aprendi lá, sugiro ter em mente estas recomendações ao planejar a cobertura em um campo de refugiados:
Durante as duas semanas em que estive em Chios, na Grécia, tentei lembrar cada uma dessas histórias pessoais de sofrimento para que não permanecessem no esquecimento e depois coloquei tudo no papel e no mundo virtual. Essas histórias serão as mais ricas do seu trabalho e poder acessar esses depoimentos vale mais do que qualquer coisa quando você está no seu escritório. Não perca essa oportunidade e conte suas histórias com a maior precisão possível. Certamente, é uma das poucas oportunidades que os refugiados têm para sentir que são parte de alguma coisa.
Não se limite a uma história ou a uma mídia formal. As redes sociais podem ajudá-lo a visualizar seu trabalho como jornalista e promover algumas de suas experiências que podem não estar na matéria principal, mas não são menos importantes.
Durante os dias de voluntariado, ouvi muitas histórias difíceis sobre os refugiados e senti que isso não poderia ficar só dentro de mim. É por isso que escrevi histórias curtas que me contaram no Facebook. Com a hashtag #WelcomeRefugees, eu escrevi uma todo dia. Por exemplo, contei como uma caixa de mate cozida que levei na mochila conseguiu “transportar” Abdullah, um dos refugiados, para a Síria por alguns instantes. Enquanto estávamos bebendo em um copo compartilhado, ele me contou como gostava de se reunir com sua família em seu país e fazer o mesmo. Triste, lembrou-se de que gostava de tomar chá com a esposa, que estava grávida quando morreu em um bombardeio em Homs.
Todos os dias, quando voltava do campo de refugiados, sentia uma enorme necessidade de compartilhar e contar o que vi e ouvi. Essa foi uma das maneiras alternativas que encontrei para trazer realidades difíceis para as pessoas que estão lendo de suas casas muito confortavelmente em outras partes do mundo.
Durante a minha estada no campo de refugiados, escrevi para alguns contatos em jornais oferecendo uma matéria sobre a situação dos refugiados naquela ilha e uma grande mídia do Brasil estava interessada.
Ao escrever o artigo e entrevistar fontes no campo, encontrei uma grande dificuldade: as pessoas que trabalham para grandes agências humanitárias ou ONGs falam frequentemente sobre a situação dos refugiados ou sobre a burocracia do governo local, mas não queriam que seus nomes aparecessem nas matérias e às vezes nem queriam falar quando eu dizia que estava escrevendo para um veículo de comunicação.
Lá percebi que, se precisasse de um número ou declaração oficial de uma organização ou agência humanitária, eu teria que acabar falando com alguém que estava sentado em seu escritório na Suíça ou em outro país, mas que não estava exatamente com as mãos na massa. Para evitar ter que recorrer a esta situação, que geralmente não é muito representativa do que realmente acontece no campo, é importante explicar e tentar convencer a fonte da importância de ter seu testemunho, com nome e sobrenome, para dar mais forçar a sua matéria.
Mas o paradoxo dessa situação era que nenhum dos refugiados com quem conversei, que são a parte mais vulnerável dessa cadeia, foram contra que eu incluísse seus nomes e sobrenomes.
No entanto, meu conselho é mudar seus nomes ou omitir seus sobrenomes a fim de protegê-los da situação de vulnerabilidade em que se encontram. Além disso, você só deve tirar fotos com autorização e, nesse caso, explicar onde as imagens serão publicadas.
Lucila Runnacles é jornalista brasileira e blogueira de viagens. Ela gosta de descobrir destinos novos e outras culturas. Leia suas histórias de viagem em seu blog Viagem Cult. Siga-a no Twitter aqui.
Foto: Desenhos de criancas refugiadas na Grécia, cortesia de Lucila Runnacles